Por Adolar Gangorra
O sistema capitalista, assim como seu primo distante, o regime socialista, vêm sendo capazes de gerar, através dos anos, as mais inacreditáveis e bizarras anomalias sociais. Como toda utopia fanática, tais doutrinas nunca se cansaram de pregar uma retidão de princípios euclidiana à prova de incoerências. E assim, todos os naturais desvios de rota de ambas são ignorados da forma mais hipócrita possível pelos “governos” (vamos chamar assim por uma questão de etiqueta…) que os implantam. Claras imperfeições como, por exemplo, a mendicância, que há tempos imemoriais cresce avassaladoramente em progressão geométrica, é um bom exemplo deste descuido pantagruélico.
Os raros governos com alguma vergonha na cara ficam desesperados com a presença infame das legiões de pedintes existentes, não por preocupações humanitárias, mas sim porque os milhões de cidadãos paupérrimos representam a prova cabal de uma absoluta inaptidão administrativa e também a inexistência de uma teoria econômica perfeita. Numericamente, o mendigo é o atestado de incompetência dos políticos, administradores, tecnocratas e outros paspalhões do gênero.
Suspeita-se que se o patriarca Moisés tivesse esquecido de anotar nas tábuas sagradas o mandamento “Não Matarás”, não haveria hoje um só esmoleiro sequer na face da Terra. Sim, pois os governantes não hesitariam um micronésimo de segundo em mandar “aquele mondrongo chato da esquina” para a fogueira se o homicídio fosse uma prática legalizada (se bem que, pelo panorama mundial contemporâneo, esteja faltando muito pouco para isso…)
Após estas constatações, o que fazer? Existiria uma solução eficaz para tal problema? O que fazer com a mendigada? Dar um trocado? Dar no pé? Dar um banho? O problema realmente é sério. Já que atualmente temos assistido a uma massificação da economia de mercado globalizado e a um recrudescimento descontrolado do sistema capitalista, nada mais justo do que aplicar esta mesma doutrina em seu próprio bojo, ou seja, nos seus inocentes filhos bastardos, com o chamado “Agenciamento de Mendigos”.
Calcado nas leis trabalhistas vigentes e na mais pura ética profissional, o Agenciamento de Mendigos seria mais uma atividade econômica moderna que qualquer pessoa jurídica poderia exercer e, conseqüentemente, criar empregos, pagar impostos e gerar lucros. Uma Agência de Mendigos, depois de ser devidamente registrada e de posse de um alvará de funcionamento, contrataria um número determinado de pedintes. Estes trabalhariam nas ruas e domicílios, captando recursos direto da população.
Os contratados ganhariam um salário baseado em uma percentagem preestabelecida pela Agência, de acordo com o faturamento bruto de cada mendigo. Os esmoleiros seriam classificados em dez categorias diferentes, de acordo com a especialização de cada um (veja lista abaixo).
Como estratégia de marketing, as Agências de Mendigos poderiam designar um funcionário fixo para cada região. Assim, com o tempo, criar-se-ia um hábito de esmola seguro e confiável, pois a população acabaria se acostumando com o miserável que batesse regularmente à sua porta. Para reforçar essa relação, o pobretão usaria um crachá que sanaria a questão da segurança. E para incentivar o seu staff, estimulando a competição interna, as Agências poderiam oferecer bonificações extras. Tal como as cadeias de fast food fazem, poderia se afixar na empresa um quadro com a fotografia do mendigo de maior faturamento no período de trinta dias, com o título de “O Pé Inchado do Mês”.
Tudo isso conferiria ao mendigão uma cidadania redentora, uma auto-estima inédita e o profissionalizaria, pondo-o no mesmo pé de igualdade de um trabalhador qualquer como, por exemplo, um deputado, de um apresentador de programas da tv aberta e, principalmente, dos colunistas sociais.
O Agenciamento de Mendigos é, indubitavelmente, a saída mais viável e indicada para a salvação da pululante multidão de parias do planeta. Já que, para o sistema, investir em Educação e Saúde é muito menos lucrativo e, por assim dizer, “excitante”, eis uma solução realmente funcional para uma questão seriíssima que a sociedade insiste em ignorar e que tem dado mostras hemorrágicas de tender para o infinito. Com o Agenciamento de Mendigos, o capitalismo selvagem poderá mostrar que, sob sua incansável criatividade até mesmo problemas a serem resolvidos são capazes de dar lucro!
CATEGORIA - MODUS OPERANDI - LUCRO MÉDIO
CATEGORIA
Pobre-Miserável
MODUS OPERANDI
Conta história quilométrica recheada de desgraças apocalípticas. Quase chora.
LUCRO MÉDIO
15%
CATEGORIA
Bêbado
MODUS OPERANDI
Pede dinheiro totalmente encachaçado e ainda diz que é para comprar pão.
LUCRO MÉDIO
Mão na cara
CATEGORIA
Pidão-Compulsivo
MODUS OPERANDI
Não aceita “não” como resposta. Pede qualquer coisa. Utiliza a seguinte ordem: jornal velho, prato de comida, roupa usada, “trocado pra interá a passage”.
LUCRO MÉDIO
60%
CATEGORIA
Aleijado
MODUS OPERANDI
Geralmente trabalha em ponto fixo e conta com auxiliar inexpressivo. Às vezes toca algum instrumento. Varia de cego a homem-tronco.
LUCRO MÉDIO
80%
CATEGORIA
Mãe com Criancinhas
MODUS OPERANDI
Mulher de aparência etíope com, no mínimo, quatro crianças (sendo uma de colo). Explica que o marido morreu ou se pirulitou. Costuma atuar em semáforos.
LUCRO MÉDIO
65%
CATEGORIA
Imigrante
MODUS OPERANDI
Pede grana para poder voltar à terra natal pois foi roubado e não consegue arranjar trabalho. Costuma dar a bênção.
LUCRO MÉDIO
50%
CATEGORIA
Louco
MODUS OPERANDI
Canta todas a músicas do Raul Seixas e fala sozinho na rua, assustando a clientela. Não faz muito sucesso. Carrega saco.
LUCRO MÉDIO
5%
CATEGORIA
Mostra-Bilhetinho
MODUS OPERANDI
Inexplicavelmente apresenta um papel com hieróglifos solicitando algum auxílio monetário.
LUCRO MÉDIO
O papelzinho de volta
CATEGORIA
Velho
MODUS OPERANDI
Emite sons ininteligíveis, sempre com a mão estendida. Perde a paciência facilmente; resmunga, reclama e xinga.
LUCRO MÉDIO
30%
CATEGORIA
Grupo de Moleques
MODUS OPERANDI
Alguns gastam os rendimentos em balinha e outros em cola de sapateiro.
LUCRO MÉDIO
50% ou tiro na cabeça
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